Livreiros #5: Asa Norte e Sul

“O Chiquinho tá fechado hoje?”
“Não, ele tá abrindo mais tarde. Mas ele abre! Ontem ele abriu às 11h”
“Tá ok, muito obrigada!”

Estamos retomando um projeto que temos muito carinho por aqui, o “Livreiros”.

Partindo de conversas com donos de sebo, livreiros autônomos e vendedores ambulantes de livros que trabalham pelas ruas do país, vamos aos poucos fazendo um mapeamento da atividade livreira e das pessoas por trás dessas geografias de troca, desses espaços de cultura e diálogo que têm como principal atuação a venda de livros.

O mapeamento busca reavivar a consciência nacional e humanizar o campo da cultura livreira, dando rosto e voz a esses intermediários (muitas vezes esquecidos) que estão envolvidos de maneira histórica no processo e construção de formas alternativas de comercialização, distribuição e circulação de publicações e na criação direta e indireta de áreas de resistência cultural.

Ano passado, conversamos com dois donos de sebos/livrarias conhecidas dos Brasilienses: a Livraria do Chico na Asa Norte, dentro do ICC Norte (Instituto Central de Ciências), na Universidade de Brasília; e a Pindorama, no coração da W3, na Asa Sul. Para aqueles que não conhecem Brasília, os bairros da Asa Norte e Asa Sul são ambos formados por quadras (comerciais), superquadras (residenciais) e entrequadras (de lazer). A Asa Sul é mais antiga e mais populosa que a Asa Norte.

Foram dois dias de muita conversa, uma escapada a pé para comer um pedaço de pizza com Mate Couro na Dom Bosco (fatia essa que custa R$3,50 e nasceu com Brasília nos anos 60) e claro, livros, muitos livros.

 

LIVRARIA PINDORAMA
1. Nome, idade, nome da banca
Luiz Alves Morais, 44 anos, Livraria Pindorama.

2. Há quanto tempo você trabalha com livros?
25 anos.

3. Há quanto tempo o sebo/livraria existe?

Desde 89? Uns 20… 28 anos, né?

Eu comecei trabalhando aqui e depois eu comprei ela. Quase sempre trabalhei com livros. Eu trabalhava com livros e dava aula a noite. E depois, continuei fazendo isso. Trabalhava na Pindorama e dava aula à noite. Aí eu desisti de dar aula e só fiquei por aqui mesmo. Eu dava aula de filosofia. Filosofia e lógica, é isso. Dei português, aula de português no cursinho. Filosofia e lógica um tempo na Católica e depois numa faculdade em Valparaíso. E depois parei.

4. Por que livro em vez de qualquer outra coisa?
Porque eu não sei fazer outra coisa.

5. Como vocês encontram o material que vende aqui?
Compramos em bibliotecas.

6. Onde você mora? Quanto tempo você leva para chegar até aqui?
Eu moro em Taguatinga Norte, uns 40 minutos de carro.

7. Você acha que o povo brasileiro gosta de livros, gosta de ler?
Não.

8. Qual o último livro ou revista que você leu?
Eu tenho mania de ler artigo, viu? Revistas eu sempre leio a “Caros Amigos”, “Carta Capital” …

E você lembra desse último artigo que leu?

Lembro, lembro, foi um artigo… Na verdade foi até uma entrevista com um amigo que é procurador: Luiz Francisco e foi exatamente sobre o momento político e pagamento de juros pra rentistas no Brasil. Pronto, foi isso mesmo.

9. Que tipo de livro o senhor mais vende por aqui?
Filosofia. Tanto na loja como on-line.

10. Você acredita que dá pra viver a vida vendendo livros?
Dá, Dá sim.

11. O que você faz quando não está aqui trabalhando? O que te dá mais prazer nessa vida?

Chegar em casa… Mecânica. É, nas horas vagas eu sou mecânico e mexo com a chácara. Então, trabalho braçal mesmo.

12. Quantas pessoas trabalham aqui?
Somos três. Agora só três. Tinha mais antes. Tinha. Mas aí a situação… reduziu.

foto: Adriana de Toledo de Macedo-Soares

 

LIVRARIA DO CHICO

1. Nome, idade, nome da banca
Meu nome é Francisco J. Carvalho. Eu tenho 57 anos, nasci em 60, Livraria do Chico.

2. Há quanto tempo você trabalha com livros?
Olha, é… Na minha vida, desde 75. Porque no meu destino eu tive muita sorte de ter vindo pra universidade cedo, sabe? Não para estudar mas para vender jornal. E pra mim foi muito importante porque em 73/74 eu, eu disputei um prêmio num jornal diário chamado Diário de Brasília, um jornal já há muito tempo extinto, que era pra fazer uma concorrência com Correio Brasiliense e Jornal de Brasília, e fui eleito melhor jornaleiro de Brasília. E aí descobriram na época, que eu chegava quatro horas da manhã na banca, e eu não tinha muita leitura mas eu tinha, eu olhava a imagem. Aí tinha o 1000 gols do Pelé, aí eu já visualizava pro cliente, saia correndo (no comércio de Sobradinho). Aí eu ia na farmácia “moço aqui tem o 1000 gol de Pelé!”. Um gostava de futebol, outro de fofoca. Aí vim pra cá(UnB) em 75. Que foi uma coisa muito importante porque lá eu vendia esse Diário de Brasília e quando eu cheguei aqui à demanda era o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo, o Estado, O Globo, o jornal de esquerda da época que era o Pasquim, o Jornal Movimento. Então, era uma demanda diferente. E aí fui adquirindo conhecimento e fiquei até 79. Isso aqui na UnB, a dona que tinha uma banca de jornal aqui, Dona Chica, ficou sabendo de mim em Sobradinho e me chamou pra trabalhar. Se não fosse por ela eu não estaria aqui na universidade. Ela me trouxe pra cá e fiquei trabalhando com ela de 75 a 79.

Depois disso fui trabalhar em algumas livrarias da cidade que fecharam, sabe? Dois exemplos, assim muito importantes de citar são as livrarias Literatura, aqui no Venâncio 2000, que foi uma das maiores experiências… Trabalhei pouco tempo lá mas a minha aprendizagem foi extraordinária. Quem eu até conheci lá – sempre que me entrevistam eu gosto de citar- foi o Cleber Lima e o Nelson Abrantes. Esse Nelson Abrantes me falava tanto de livros durante o dia que eu tinha pesadelo a noite, sabe? Aí foi importante. E depois que trabalhei nessa livraria eu vim vender livros de mão em mão na Universidade. Isso em 83/84. Aí no departamento de História o professor pediu o livro “A raiz do Brasil”. Aí eu corri atrás e consegui. Assim, comecei aganhar a confiança e amizade dos professores, aí foi indo e em 89 ganhei esse espaço. Desde 89 eu estou aqui nesse espaço (espaço que até hoje está a Livraria do Chico).

Eu estou na UnB na totalidade há 42 anos. Eu comecei aqui vendendo jornal e revista. E aqui nesse espaço, desde 89, sabe? Mas eu já vendi livro de mão em mão. Eu até gostaria de voltar a fazer isso. Porque hoje tá tudo impessoal. A relação hoje com as pessoas é uma relação como diz o  Bauman, líquida, rápida, né? Efêmera. Não tem mais uma amizade, pessoalidade, afinidades. E como diz Zygmunt Bauman… porque ele fala que a juventude tem informação mas não tem nenhuma formação. Que é isso aí que vai trazer um apagão futuro, o que é bem próximo da cultura brasileira essa, esse excesso de falta de leitura.

3. Por que um livro em vez de qualquer outra coisa? 
Porque eu acho que na minha outra vida, na minha outra existência, me falaram que eu era gráfico (Risos). Eu sou do Piauí, vim pra Sobradinho mais ou menos em 1970. Interessante porque pela necessidade fui trabalhar com jornais. Então, acho que meu grande destino era letras e a leitura. E eu sou um auto-didata, eu me considero um auto-didata.

4. Como vocês encontram o material que vendem aqui? 
Pois é, há uns 20 anos atrás tinham distribuidores. Você me pedia um livro hoje e eu conseguia no dia seguinte. Hoje tá uma dificuldade, muito difícil mesmo e acabei descobrindo no ano passado um nicho, que é trabalhar com livros usados, sabe? E eu tô gostando muito. Porque antes eu trabalhava com livros novos mas com esse novo comportamento do leitor… Porque o leitor hoje tem uma necessidade de rapidez quando deseja um livro. Ele pede o livro hoje mas não tem em Brasília. A gente tem que comprar o livro em São Paulo ou Rio e as pessoas hoje não esperam mais os livros chegarem. Impaciência do leitor, entendeu? E a rapidez do uso do livro. Então hoje pra mim é mais importante trabalhar com livros usados do que livros novos. Claro que tenho que ficar entre os dois…

Então, a partir do ano passado, tiveram alguns professores que estão se aposentando e estão me arrumando livros. Tem alguns até que doam e alguns que vendem por um preço mais camarada. Eles falam: “Olha, Chico, é importante ser com você, porque as gerações que estão entrando na faculdade agora vão precisar desses trabalhos.”

5. Você trabalha sozinho na livraria? 
Sim, sim (Risos)

6. Tem um horário regular de abertura?
Era para eu abrir geralmente oito horas. Mas eu abro nove/dez horas. Porque tem que sair de casa, tem que cuidar da família, minha mulher tem depressão, tem que dar um cuidado máximo, sabe? E eu trabalho sozinho.

7. E as redes sociais? Vi que a Livraria do Chico tem uma página cheia de conteúdo no Facebook. Quem é que faz esse trabalho pra você?
É o Marcelo Arruda. É um menino que se formou na Comunicação. Eu não sei nada, eu fico até preocupado (risos)…

Que eu tenho sorte. Por exemplo, no dia 7 de abril de 2013 eu sai no Fantástico. Marcelo Canellas, oito minutos. Assim, uma coisa sem precedentes, né? Eu falo até de brincadeira que o Ricardo Electro e as Casas da Banha ficaram com ciúmes.

8. Onde você mora? Quanto tempo você leva para chegar até aqui?
Eu moro na cidade satélite de Sobradinho.
E vindo de ônibus eu demoro… Quando não tem engarrafamento, igual hoje, 25 minutos. Com trânsito, uma hora, uma hora e pouco.

Não sei se você já ouviu falar da “sociedade do cansaço”, é de um sul Coreano. No livro dele ele fala que a gente está na era da produtividade do consumo. Se você produzir e não consumir você é devorado pelo sistema, pela sociedade.

9. Você acha que o povo brasileiro gosta de livros, gosta de ler?
Eu acho que o brasileiro está um pouco desconectado. Fiz um enquete com mais ou menos 400 pessoas e assim, informalmente descobri que 70% da leitura vem de família. Por exemplo: foram os avós que deram o primeiro livro, os tios, os pais. E 30% é a escola. Então eu acho que tá faltando muito essa proximidade da família, de dar livros de presente para a pessoa ter um interesse continuado. Porque hoje com a chegada da internet as pessoas ficaram muito… Não tiveram uma educação para entender a internet, sabe? É um uso indiscriminado que é vicioso mas você não tira o proveito maior. Você tem dez mil informações  mas a informação fica efêmera. Um segundo depois cai no esquecimento. Ela é líquida.

10.  Qual o último livro ou revista que você leu?
Estou lendo agora algumas crônicas do Lima Barreto e uma revista “Ciência Hoje”. E é interessante porque uma das entrevistas da “Ciência Hoje” é com o Gilberto Freyre.

11. Que tipo de livro o senhor mais vende por aqui?
Ciências Humanas. Mais sociologia, antropologia, Comunicação. Porque aqui fica próximo ao Serviço Social, sabe?

12. Você acredita que dá para viver a vida vendendo livros?
Viver modestamente, mas dá pra sobreviver. Porque trabalhar com livros é uma sorte. Você fica aqui durante oito/dez horas e faltando dez minutos pra você ir embora aparece uma pessoa procurando um livro é você tem. E se você não tem o livro que ela procura você tem um outro relacionado ao assunto. Então isso é uma maravilha! Mas vivo modestamente, vivo igual aSão Francisco de Assis, sabe? (Risos).

Eu sou muito grato por ter escolhido uma profissão tão nobre e tão simples, mas tão importante, de você prestar um serviço de utilidade pública pro ser humano. De você arrumar uma bibliografia pra pessoa. E, e é muito importante, é gratificante. Ontem eu estava conversando com uma pessoa, que vendi livros pro Pai dela, filho e agora neto. Então, três gerações. Eu sou um espectador, como diria Walter Benjamin, privilegiadíssimo! Três gerações da Universidade. E as amizades sólidas que a gente faz. Porque tá tudo líquido, mas as amizades que a gente faz são sólidas.

13. O que você faz quando não está aqui trabalhando? 
No sábado e domingo, principalmente no domingo, eu gosto de ir numa feira popular em Sobradinho e dar uma caminhada, ver as pessoas. Porque hoje existe um distanciamento até das pessoas. Aí eu gosto de andar. É uma feira de verduras, de frutas, de comida…

14. O que te dá mais prazer nessa vida?
Trabalhar prestando serviço para as pessoas. Eu quero um Brasil assim, com leitores. Eu queria que o Brasil fosse um país de leitores de verdade. Voltasse a ter um ensino básico, básico mesmo. Pra ter uma alavanca, porque eu acho que sem isso a gente tá fadado ao fracasso.

15. Como é que foi a construção do espaço da livraria?

Na época teve a primeira conferência nacional de saúde e aí fizeram uns boxes. A livraria é um desses boxes. Pois é, acho que tive muita sorte, uma dádiva de ter vindo pra Universidade e de ter feito esse percurso de amizades, sabe? Meu projeto de vida é prestar esse serviço pra humanidade, sabe? Ajudar, mediar. Eu gosto sempre de falar que eu sou um assessor bibliotecário.

foto: Adriana de Toledo de Macedo-Soares

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