Dan Nadel: Punk e Hippie

PUNK E HIPPIE

Por Dan Nadel


[Artigo publicado na edição de maio de 2016 da Art in America.
Cortesia da Art Media Holdings, llc.]


De vida curta mas altamente influente, a dupla Paper Radio incendiou a cultura underground da Nova Inglaterra no início dos anos 2000 com seus quadrinhos dinâmicos e um éthos colaborativo.

Dizem que, para dominar a arte dos quadrinhos, você deve se tornar invisível e depois parar de fazer quadrinhos para sempre, deixando apenas que eles se desenhem por conta própria. Deus não gosta de quadrinhos que surgem de motivações do ego.

—Ben Jones

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Figuras da Amazona nas Heroínas de Claude Cahun

Mas, antes de ir embora, eu lhe peço,
me dê o endereço de um outro monstro,
de um autêntico monstro.”

Claude Cahun, “A Bela”

Nesse fim de século XIX considerado decadente, algumas mulheres de letras ousam colocar em questão mais uma vez a divisão de papéis entre masculino e feminino, ousam contestar a subordinação do sexo feminino ao sexo masculino. Assim, Renée Vivien em seus contos (La Dame à la Louve) e Rachilde em seus romances (L’Animale, La Jongleuse, Monsieur Vénus) propõem uma outra representação do gênero feminino, buscam inverter a distribuição tradicional de valores e qualidades próprios a um e ao outro sexo. Um fenômeno se desenvolve na Belle Époque: a Paris Lesbos tende a se tornar mais visível e “Paris passa então a se impor como capital do safismo”.[1] A redescoberta da poetisa Safo, conduzida particularmente por Renée Vivien, e a decorrente polêmica acerca da própria pessoa de Safo e de sua orientação sexual ocorrem dentro de um movimento mais amplo de afirmação de uma classe de intelectuais qualificadas de amazonas, como Nathalie Barney, Renée Vivien, Gertrude Stein e Élisabeth de Gramont. Essas mulheres levam uma existência independente, sem hesitar em se travestir, assumindo relações homossexuais publicamente e tentando ocupar um lugar que até então era reservado essencialmente aos homens. O tipo da lésbica é apenas uma das potenciais declinações da amazona.

Claude Cahun viria a conhecer e frequentar algumas dessas amazonas poucos anos depois. Em 1925, ela escreveu uma coletânea de “contos” intitulada Heroínas, na qual revisita determinados arquétipos femininos e libera-os do verniz conformista, dos clichês maniqueístas demais que lhes foram dotados progressivamente pela tradição. Opõe a verdade da literatura à mitologia patriarcal que faz das mulheres eternas vítimas ou seres duplos, em quem não se pode confiar, triunfando através de estratagemas. Com a atualização a que submete as figuras clássicas, Cahun procede a inversões, reviravoltas e deslocamentos e, ao fazer isso, coloca em relevo a capacidade de escolha dessas heroínas, para além de qualquer julgamento moral, oferecendo ao leitor contemporâneo uma leitura deslocada desses arquétipos. Sob a pluma de Cahun, elas são mulheres independentes que conduzem seu destino, independente do preço a se pagar. Misturando opostos, embaralhando as categorizações. Cahun propõe amazonas pervertidas, que escapam à ortodoxia, que combinam traços “masculinos” e traços “femininos”, oscilando de uns a outros sem jamais se prender a eles.

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Livreiros #3: Praça da Sé

São Paulo é um turbilhão. Quem mora talvez não perceba, mas quem visita sente: a vida não para, o tempo parece escasso, as distâncias são longas e o ritmo é agitado. Como é ter um sebo em uma cidade que nunca descansa? Quais são os hábitos de leitura desses 11 milhões de paulistanos, emigrantes e imigrantes que habitam a capital?

Numa tentativa de responder a essas perguntas, fomos até a Praça da Sé, o coração pulsante e centro geográfico dessa gigante cidade. Lá existe a grande catedral que se projeta sobre a maior estação de metrô da América Latina e já assistiu a muitos protestos, encontros e manifestações de toda a sorte, além de servir de morada para uma população de rua que nunca para de crescer, e um comércio informal que vende desde chocolates abaixo do preço até truques de mágica.

Ao redor disso tudo, temos a maior concentração de sebos da capital paulista. Na Praça Carlos Gomes, na Praça João Mendes e na rua Álvares Machado encontramos mais de dez sebos separados por quadras de distância. Escolhemos cinco livrarias para visitar e entrevistar – um recorte feito a partir da relevância e da peculiaridade –, e trazemos para vocês um pouco da experiência que é ter um sebo ao redor da Praça da Sé.

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“O ponto de partida do guia/livro do Broke Ass é: ‘eu estou duro, não tenho algo que se possa chamar exatamente de emprego, mas não vou ficar parado, tenho necessidades fisiológicas e existenciais’ (leia-se encher o bucho, a cara e, se possível, me divertir e aprender alguma coisa).”

Tradutor do "Guia Broke-Ass Stuart Para Viver com Pouco Dinheiro em NY"

 

Uma entrevista com Thiago Nasser, tradutor do Guia Broke-Ass Stuart para viver com pouco dinheiro em Nova York:

 

1- O que é o Guia Broke-Ass Stuart para viver com pouco dinheiro em Nova York?  Foi um livro difícil de traduzir?

O livro é um misto de guia de sobrevivência, diário, ode a uma Nova Iorque em via de desaparecer, crítica e ao mesmo tempo agente da gentrificação, etnografia urbana e social, e, claro, um bildungsroman pós-irônico. Livros bons são fáceis de traduzir. Simples assim. Que outro livro me faria meditar profundamente sobre as similitudes e diferenças entre um boteco e dive bar?

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“Eu sempre pensei que escrever é uma conversa, e eu suponho que isso implica algum nível de encontro entre dois corpos.”

 

Gail Scott, autora de Minha Paris

 

Entrevista com Gail Scott, autora de Minha Paris:

 

1 – Qual a história por detrás de Minha Paris?

Eu estava vivendo num apartamento para escritores, tendo ganhado um intercâmbio de seis meses pelo Conseil des arts et des lettres Du Quebec. Inicialmente pensei que seria divertido fazer algo turístico, usando Arcades Project de Walter Benjamin como uma espécie de guia. Mas quanto mais eu andava por Paris, e isso era nos anos 90, mais eu me interessava pelo que acontece com as ondas consecutivas de artistas e militantes de vanguarda que datam desde a época de Benjamin até o presente. Então o livro se tornou uma conversa entre Benjamin e Gertrude Stein, entre outros, sobre essas questões.

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“I’ve always thought writing is conversation and I suppose that implies on some level two bodies that meet.”

Gail Scott, autora de Minha Paris
Gail Scott, autora de Minha Paris


1 – What is the story behind My Paris? I mean, how did it come to be?

I was living in a writers’ studio, having been granted a six month sojourn by the Conseil des arts et des lettres du Québec. I iniitially thought it would be fun to do touristy  a pot-boiler, using Benjamin’s Arcades Project as a kind of guide. But the more I walked about Paris, this was in the 90s, the more I felt myself interested in what happends to the consécutive waves of avant garde militants and artists from Benjamin’s time to the present. So the book became a conversation with Benjamin and Gertrude Stein, among others, about these matters.

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“Tentando lembrar agora da foda da noite passada para que eu possa então tentar fazer uma analogia tão apropriada quanto fosse possível e ainda assim dizer a verdade.”

Douglas é autor de "Seu Corpo Figurado"

 

Entrevista com Douglas A. Martin, autor de Seu Corpo Figurado:

1 – Qual a história por trás de “Seu Corpo Figurado”?

Eu menti pra conseguir um grande agente depois do meu primeiro livro, Outline of My Lover. Quando eu fui para a reunião quando seria decidido se eu iria ou não ser publicado, contei como, além do livro que depois viria a se chamar “Once You Go Back” e no qual ela estava parcialmente baseando a sua decisão, eu também estava planejando escrever um livro sobre Anais Nin, uma coisa histórica. Paris em tal e tal ano. Eu era muito amigo do Colm Toibin na mesma época, e ele então tinha uma fé extrema no que eu estava fazendo com inspiração autobiográfica a que, apesar de tudo eu ainda me referia como ficção, criação de histórias. “Essa voz ficcional que você encontrou é  uma coisa especial” Ou algo nessas linhas. Eu ainda não havia publicado Seu Corpo Figurado até então, logo ele não sabia do que estava falando. Mas quando fui visitá-lo no escritório que ele manteve por um tempo na New York Public Library, parte de algum acordo ou residência – uma dessas coisas que eu mesmo nunca conseguiria – ele me perguntou algo como “O que eu iria fazer uma vez que tudo estivesse acabado?”. Mexendo nas coisas da minha infância, comecei a pensar que gostaria de ir para além de mim mesmo e ao mesmo tempo olhar para quem obteve sucesso ou não em seus próprios termos. Existem outras raízes para isso também. Eu não escreveria sobre o relacionamento que vivia na época, mas um namorado da minha idade, que não estava me bancando financeiramente, no máximo artisticamente, me deu o livro de Guy Davenport, Balthus. Outro garoto, esse me fez mudar a forma de falar para tentar ser mais parecido com ele, me deu uma monografia do Francis Bacon antes disso. Hart Crane eu não compreendia, mas tinha vontade de fazê-lo. Foi muito importante para mim ter uma coisa com que eu pudesse trabalhar dessa forma, aprendendo e então transcrevendo essa reação inicial para o que eu estava sorvendo. Ver então como todas essas reações podem se somar, em que áreas elas podem se conectar, e o que começa a ser dito. Não imaginamos o Narciso falando, certo? É uma rara alegoria. Como não torná-la preciosa, até mesmo com esses personagens românticos? Eu tinha acabado de sair do mestrado em escrita e nunca desejei ser um desses caras gays da minha turma que escreviam protagonistas femininas para si mesmo. Uma versão anterior continha a Nin e também O’Keeffe, conectando-as a Balthus e Crane respectivamente, através de outro homem, mas eu não consegui achar alguém similar para Bacon e Dyer, então essa parte da estrutura colapsou um bocado, e eu acabei optando por retirá-la no fim para manter o balanço. Começou ainda mais ambicioso.

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“Trying to remember now the fucking I did last night so I can try to train the analogy as felicitously as possible and still be telling the truth.”

1 – What is the story behind Your Body Figured? I mean, how did it come to be?

I lied to get a big agent after my first book, Outline of My Lover. When I had the uptown meeting where it would be decided if I would be taken on or not, I said how, in addition to the book that became Once You Go Back and that she was in part basing evaluation upon, I was also planning on writing a book about Anais Nin, a historical thing. Paris in so and so year. I was very friendly with Colm Toibin around the same time, who then had extreme faith in what I was doing in those autobiographically based works of mine which I still approached as fiction, story-making. “This fictional voice you’ve found is really something.” Or something like that. I hadn’t done Your Body Figured yet, so he didn’t mean it. But once when I went to visit him in his office he for awhile had at the New York Public Library, part of some fellowship or residency—one of those things I myself would never get—he did ask something like what I was going to do when it was all over? Going through the things of my childhood. I begin to think how I would ever want to move beyond self and at the same time looking at who did and didn’t succeed on their own terms…. There are other roots to it, too. I wouldn’t write about the relationship I was in at the time, but a boyfriend my age who wasn’t supporting me financially if artistically in a way gave me Guy Davenport’s Balthus book. Another boy I changed the way I talked to try to be more like had given a Francis Bacon monograph, before that. Hart Crane I didn’t understand and wanted to try to more. It was very important for me to have something I could work on by learning and then transcribing an initial reaction to what I was gleaning. See then how all those reactions might add up, what areas they might connect, what it begins to say. We don’t think of Narcissus as talking, do we? Such a rarefied trope. How not to make it precious, even these personages romantic. I had also just gotten out of grad school for writing and never wanted to be one of those gay guys in my classes who wrote female protagonist screens for themselves. An earlier version did have Nin and also O’Keefe, connecting them to Balthus and Crane respectively through another man, but I couldn’t find someone similarly for Bacon/Dyer, so that part of the structure collapsed a bit, and I let it go for balance in the end. It began even more ambitious.

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“Eu quero algo na minha boca. Eu não posso dizer mais do que isso. Inglês, punjabi, urdu, francês, espanhol. Eu não sei.”

 

Uma entrevista com Bhanu Kapil, autora de Incubação: um espaço para monstros:

1 – Qual a história por trás de Incubação: um espaço para monstros?

Eu era um ponto zero na forma de uma garota. Eu era uma imigrante e pegava carona. Essa é a minha autobiografia levemente disfarçada na forma de uma novela de ficção científica mal-escrita.

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